sábado, abril 30, 2005

Unreal

É imensa a estranheza
quando se reconhece que
nada é o que parece ser,
tornando-se uma surpresa
as mentiras do nosso ver.

O que é dito por muitas bocas
com sentido e sabor delicado,
muitas vezes são simples dizeres
unicamente para puro agrado.

E o que se vê tantas vezes
como verdadeiro e único

poderá ser mais uma ilusão
criada pelos próprios sentidos.

E é tão triste…
E é tão deprimente saber-se isto,
mas mais triste ainda é
o colocar d’uma eternal venda.

Somos uma câmara fotográfica
– Vemos o mundo como tal –
E são as supostas fotografias
que chamamos de real.

Somos subservientes do incompleto
e com ele nos completamos
pensamos que seja o certo
e com isso nos atraiçoamos.

As sensações são as chaves
das portas da nossa mente,
bem como as entraves que
nos enganam cegamente!

Invocação à lua

Ó lua onde refugias
o homem solitário
que por ti vagueia?

Ó lua porque sinto
teu sangue lavando-me
o corpo e transfigurando-o?
Porque não rebentas
os espinhos dos roseirais
que a ti toda envolvem?

Conta-me o teu pior crime!
Conta-me quem te castigou
dessa terrível maneira!
Conta-me…
Que pecado fora cometido
para pagares tal sentença?

De quem as vozes afrontas-te,
para seres retalhada
sem dó ou piedade
sob o reflexo da pia
onde de perto te vislumbro?

E as metades negras,
mortas, escondidas e esquecidas?
Para onde viajam elas
enquanto enganas
olhos escuros d’miragens?

Que seria de ti,
se a lâmina da foice,
com que cortas as nossas
crescentes silvas cegasse?
E que seria de nós?

E que seria de ti,
se teu peito fosse enfim
aferrolhado pelo belo luminoso
espartilho que te cobre?

Vagueias também tu
na sombra penosa,
arrojada em tuas pisadas.

És só hoje ao meu ver
o castigo mais visível.
O reflexo de todos nós.

Feiticeiros

Palavras ternas, melosas e sedutoras,
objectivas no alcançar desejos.
Palavras manhosas, aliciantes, dolosas
calculadas, pensadas e engenhosas.

Lobos ensaiados de cordeiros;
fingidos, cautelosos e embusteiros,
trazendo intenções planeadas;
mentem, enganam e devoram!

Cravam as aguçadas garras
na pele delicada, frágil,
cheirosa de cristalina brancura,
porém de vera deliciosa.

Cactos entendidos como malmequeres;
sugadores de outras virtudes;
senhores de sangue negro,
coração e olhos pretos.

Ladrões, caçadores e vampiros,
em mentes alheias suspeitos,
jamais vistos como tal,
dos olhos que são afeitos.

Encantam assim a Lua
com seu canto – covil
de rugir de dentes

deleitados com a refeição.