domingo, março 06, 2011

Uma flor chamada Jasmim - Parte I

Desde pequena que aquela criança era chamada de diferente. Segundo os seus pais era uma criança mais difícil do que as outras e, por isso, rotularam-na facilmente como problemática. Envolvida nos rótulos e conclusões não fundamentadas foi crescendo, dizendo a si mesma que não era igual às outras meninas e que nunca seria como elas porque, simplesmente, era complicada, fosse lá isso o que fosse. O seu nome era Jasmim, simpaticamente conhecida como Jás. 
O nome foi inspirado na flor do jasmim-estrela, uma flor lindíssima com pétalas suaves que lembram uma cintilante estrela. Era dessa forma, que Helena e Gabriel, os pais, sonhavam que Jás fosse: lindíssima, suave e cintilante. Mas isso ficou muito longe de se tornar verdade.
Sem sombra de dúvida Jasmim tinha um carácter forte e muito individual. Com o tempo foi sentindo-se cada vez mais desenquadrada do mundo perfeito onde vivia. Sentia que aquele mundo não era  tão fantástico como lhe diziam, mas sim falso e gelado.
Quem a conheceu, se voltar atrás no tempo memorizado e avaliar as suas acções, sabe que ela tentou aproximar-se dos padrões que lhe vendiam. Diria, que se esforçou como uma criança se sabe esforçar. Tentou que a notassem e a ajudassem a perceber quem era de verdade, mas isso nunca aconteceu. E foi assim que começou a ficar invisível perante todos e perante si mesma.
Rapidamente os dias começaram a ser só mais dias… começaram a não ter significado, ou pelo menos ela assim o quis. A pouco e pouco temporalmente, mas rapidamente na sua cabeça, tudo começou a ficar insuportável. Não havia limites para a sua tristeza e descontentamento.
Apesar da vida que levava, Jasmim não parou de crescer e, muito antes que todos reparassem, tornou-se numa linda adolescente cada vez mais próxima da maioridade. Infelizmente, não teve ninguém ao seu lado que a compreendesse e isso tornou-a indiferente à vida que levava.
Sozinha, Jasmim planeou romper com a vida emoldurada; e procurou uma que fosse solta de todas as obrigações e refeições mudas que tinha à mesa com os pais. Faltava apenas o dia, o momento, a deixa ideal para pôr um fim e começar uma nova etapa.
No dia em que comemorava o décimo sexto aniversário, foi explicitamente avisada pelos pais de como teria de se comportar, o que havia de dizer e como se vestir. Tudo era planeado ao minucioso pormenor, mas normalmente tudo saía diferente quando se tratava de Jás.
Durante toda a festa, sentia-se uma autentica marioneta, querendo por um dia ser a filha perfeita que nunca tinha sido, mas mais uma vez isso não aconteceu.
Quanto todos os convidados se foram embora, os pais tiraram a máscara e mostraram o que realmente sentiam.  Para Helena e Gabriel, Jasmim estava demasiado estridente e isso não era bem visto pela sociedade vizinha. O que iriam pensar os vizinhos e amigos da família? Nada de bom certamente. Sem sombra de dúvida a flor com que tanto sonharam tinha virado uma erva daninha.
Foi com dezasseis anos e no dia do seu aniversário que Jasmim se despediu unicamente do seu quarto e levou consigo algum dinheiro, algumas roupas e o seu ursinho Margô, para que juntos começassem uma nova vida.

Uma flor chamada Jasmim - Parte II

Jasmim é uma mulher com 26 anos e segundo a mesma “conhece a vida melhor do que muitas mulheres”. Saiu de casa muito jovem, por vontade própria, e foi fora de casa que aprendeu “a viver à sua maneira, a ganhar o seu dinheiro, a conquistar um lugar no mundo, fosse ele qual fosse”.

Jasmim, decidiu sair de casa com que idade? “Quando saí de casa tinha 16 anos. Quer dizer não saí propriamente de casa… eu fugi de casa e nunca mais voltei. Fiz-me à vida, procurei viver à minha maneira e isso levou-me a sítios e a pessoas que, naquela altura, nunca imaginei que existissem.”
Qual o motivo para ter fugido de casa? “A minha casa era um sonho, parecia de bonecas, mas eu não sentia que pertencia ali. Parecia que tinha sido arrancada dos meus pais verdadeiros e colocada num conto de fadas, mas há noite acordava e  tudo virava um pesadelo! Tudo era planeado, tudo tinha de ser rigoroso, eu não podia ser eu, não podia ser espontânea. Escondi-me de mim e de todos até aos meus 16 anos.”
Quando fugiu para onde foi? “Planeie por algum tempo onde iria… mas quando o dia chegou… fiquei depressa sem norte. Cheguei a ir a sítios que tinha planeado mas nunca podia ficar por muito tempo, porque não era a minha casa. A verdade foi que o dinheiro começou a ser cada vez menos e sem me aperceber fui traçando outra vida.”
Porque não voltou para casa dos seus pais? “Ao princípio, quando me senti realmente sozinha e não tinha mais para onde ir, pensei e quis muito voltar a entrar em casa e sentir o seu cheiro… mas não consegui. Naquela altura a ideia de que me iriam repreender para o resto da minha vida era a  pior coisa que me poderia acontecer.”
Como conseguiu sobreviver sem a ajuda dos seus pais? “Bem… ao princípio foi muito complicado. Fiquei na rua durante alguns dias, ia sobrevivendo das esmolas que me davam. Na segunda semana uma mulher mais velha passou por mim e ficou a admirar-me, passado algum tempo ofereceu-me comida e um tecto com a condição de eu lhe pagar o que devia quando fizesse os 18 anos. Estava tão desesperada que aceitei logo!”
Até completar os 18 anos o que aconteceu? “Foi muito estranho. A senhora que me tirou da rua era , e é, dona de um bordel. Só me apercebi disso semanas mais tarde. Era ingénua e não compreendia o porquê do movimento de homens que havia. Pensando bem, quando soube da verdade só tive medo que me expulsassem de lá. Em pouco tempo, fui-me tornando a mascote das raparigas e sentia que todas gostavam realmente muito de mim. Todas diziam que era linda, uma verdadeira boneca. Os homens, esses, ficavam doidos quando me viam, mas a Srª Mercê nunca deixou que nenhum me tocasse. Ela era, e é, muito fiel ao regulamento do estabelecimento.”
A partir dos 18 anos o que mudou? “Nada e tudo. Eu sabia que tinha uma dívida muito grande para com a Mercê, e sabia que tinha de pagá-la. Apesar dela não me ter dito o como, eu suspeitava, mas nunca fugi desse pensamento. A verdade foi porque, nesses dois anos, criei ligações muito fortes com a Mercê e com as outras bonecas. Eu era uma boneca especial, tornei-me na filha que nunca teve e vejo as outras raparigas-mulheres como minhas irmãs.”
Orgulha-se da vida que teve? “Não e sim. Não, porque fiz muita coisa errada da qual me arrependo. Se fosse agora não o voltaria a fazer. Houve coisas que nunca me explicaram e tive de aprender à minha custa. E, sim porque nunca voltei atrás na minha decisão por pior que fosse o momento pelo que estava a passar. Isso deixou-me mais forte. Mas mesmo assim, não é esta vida, que uma criança de 16 anos quer, quando foge de casa à procura da sua verdadeira identidade.” 
Se voltasse a ter uma segunda oportunidade, o que faria de diferente? "Hum... Teria levado mais dinheiro!!! (Risos) Bem...teria explicado aos meus pais como me sentia e marcado a minha posição naquele mundo. Talvez só mais tarde acabaria aqui e tudo teria mais sentido."
Para concluir Jasmim: Há algo queira acrescentar à sua história de vida? “Sim... No fundo, sempre soube e sempre quis dizer aos meus pais que eles tinham razão: eu era uma criança diferente. Sou um Jasmim Negro, uma flor rara."